crianças diversidade na escola
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Diversidade na escola é uma realidade que já faz parte do cotidiano, especialmente em regiões periféricas das grandes cidades brasileiras. 

Nas salas de aula, recebo estudantes com histórias marcadas por deslocamentos, ausências e reconstruções. 

São crianças que vivem em abrigos, adolescentes que passaram pela antiga FEBEM — hoje Fundação CASA — e alunos refugiados que carregam traumas recentes.

Também há filhos de famílias migrantes e jovens que cresceram em lares com configurações familiares diversas, como casais homoafetivos ou responsáveis não parentais. 

Essas trajetórias, cada vez mais presentes, exigem da escola um olhar atento e comprometido com o acolhimento.

Essas situações não são exceção — são cada vez mais comuns — e exigem do professor uma escuta atenta, um olhar ético e, principalmente, segurança para agir dentro dos limites da sua função. Eu mesma levei tempo para entender que não se trata de "dar conta de tudo", mas de saber quando e como acionar as redes de apoio que a escola deve oferecer.

Durante anos, senti o peso do despreparo. A formação inicial não me deu ferramentas para lidar com a complexidade desses contextos. 

Em muitos momentos, o medo de agir de forma inadequada me paralisou. E a ausência de orientações claras por parte da gestão escolar ou das secretarias de educação fez com que decisões importantes recaíssem, injustamente, sobre o meu julgamento individual. 

Com isso, vieram a sobrecarga emocional, o receio de ser responsabilizada e uma sensação contínua de estar sozinha.

Existe uma forma ética, segura e responsável de lidar com essas situações. Não estamos falando apenas de acolher — estamos falando de proteger, de agir de forma preventiva e de garantir direitos. 

Para isso, é preciso compreender qual é o nosso papel e qual é o papel de instituições como o conselho tutelar, a equipe gestora da escola, o serviço de assistência social e até mesmo os órgãos do sistema de justiça.

Neste artigo, quero mostrar o que eu mesma aprendi com a prática, com os erros e, principalmente, com os acertos. 

Vou te apresentar caminhos possíveis para agir com responsabilidade diante da diversidade na escola — sem ultrapassar seus limites como professor, mas também sem se omitir quando a proteção do estudante está em jogo. 

Porque, quando o professor sabe como agir, toda a escola se fortalece. E quem mais ganha com isso são os alunos — que, enfim, podem encontrar no ambiente escolar um espaço de escuta, segurança e pertencimento.

Diversidade na Escola A Evolução do Conceito 

Falar em diversidade na escola é muito mais do que citar diferenças aparentes. O conceito, que hoje integra diretrizes curriculares, legislações e políticas públicas, tem uma trajetória longa e marcada por disputas simbólicas, políticas e epistemológicas. 

Na prática, ainda é comum que o termo seja usado de forma genérica — quase esvaziada — como sinônimo de inclusão, mas sua origem e seu desenvolvimento revelam uma complexidade que precisa ser compreendida pelos educadores.

O termo diversidade, na sua raiz etimológica latina diversitas, remete à ideia de diferença, de pluralidade, de não uniformidade. Inicialmente, esteve associado a aspectos naturais e culturais, como variações entre povos, línguas e modos de vida.

A partir da segunda metade do século XX, especialmente no pós-guerra, o conceito passou a ganhar contornos políticos e sociais. 

Movimentos civis, feministas e anticoloniais começaram a questionar a hegemonia de um padrão único de identidade social, racial, sexual e cultural. Nesse cenário, a educação passou a ser pressionada a repensar suas bases eurocentradas e normativas.

No Brasil, o debate sobre diversidade na escola ganhou força com a Constituição de 1988 e a promulgação da LDB (Lei 9.394/96), que reconhece a pluralidade cultural como um princípio da educação nacional. 

A partir daí, políticas públicas como o Programa Educação em Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação começaram a incorporar o termo em suas diretrizes, mas nem sempre de forma operativa no chão da escola.

Autores como Miguel Arroyo destacam que a diversidade não pode ser reduzida a um conjunto de características individuais, mas deve ser compreendida como expressão das desigualdades estruturais que marcam nossa sociedade. 

Arroyo propõe pensar a diversidade como “diferenças significadas pelo social”, o que exige do professor não apenas tolerância, mas posicionamento ético e político. 

Silvia Lima, pesquisadora da UFRJ, ressalta que o reconhecimento da diversidade implica romper com a lógica da adaptação do “outro” à norma escolar, e sim transformar a escola para todos.

No campo internacional, Boaventura de Sousa Santos chama atenção para o “direito à diferença sem o medo da inferioridade”, enquanto James Banks, pioneiro da educação multicultural nos Estados Unidos, defende que o currículo precisa refletir as múltiplas vozes culturais presentes na sociedade, sem hierarquizá-las.

Na prática, essa diversidade é cada vez mais visível nas escolas públicas urbanas: crianças refugiadas, estudantes em situação de acolhimento institucional (abrigos), adolescentes em liberdade assistida oriundos da Fundação CASA, alunos de comunidades indígenas ou quilombolas migrando para centros urbanos, e famílias compostas em novas configurações parentais.

Dados do IBGE (2022) apontam que 47% das crianças brasileiras vivem em arranjos familiares considerados “não tradicionais”, o que inclui famílias monoparentais, homoafetivas ou formadas por avós, tios ou responsáveis legais. 

Segundo a UNESCO (2023), o Brasil é um dos países com maior índice de diversidade étnico-cultural nas redes de ensino da América Latina, mas figura entre os que menos investem em formação continuada voltada para essa realidade.

Uma matéria publicada no G1 em 2023 destacou que o número de estudantes em situação de acolhimento institucional matriculados nas redes públicas cresceu 28% nos últimos cinco anos, concentrando-se em sua maioria nas periferias de grandes capitais como São Paulo, Salvador e Fortaleza. 

Esses alunos, segundo a reportagem, frequentemente enfrentam dificuldades de socialização, discriminação velada e falta de suporte psicopedagógico. Fonte: G1 – Crianças em abrigos enfrentam desafios invisíveis na escola

Além disso, levantamento do Instituto Alana (2023) alerta que apenas 32% dos professores afirmam ter recebido formação sobre diversidade durante a graduação, o que reforça a lacuna entre discurso institucional e prática cotidiana.

A diversidade na escola, portanto, não é um conceito neutro ou descritivo — é uma exigência ética, histórica e política. Ela nos obriga a rever práticas, currículos, relações de poder e, principalmente, o papel da escola como espaço de pertencimento.

No próximo tópico, vou mostrar como o professor pode transformar esse conhecimento em ação concreta, buscando amparo institucional e construindo redes de apoio que o resguardem legalmente e emocionalmente diante de situações complexas.

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Quais São As Novas Demandas Para O Professor Diante Da Diversidade?

A legislação brasileira é clara ao afirmar que todos os estudantes devem ter seus direitos assegurados, sem qualquer forma de discriminação. 

A Constituição Federal de 1988, no artigo 206, inciso I, estabelece que o ensino será ministrado com base no princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 53, reforça o direito de todos à educação, ao respeito e à dignidade, dentro do ambiente escolar.

Para o professor, isso significa muito mais do que garantir presença e frequência. Significa compreender que a escola está inserida em um contexto social em transformação constante, e que essa diversidade — de identidades, histórias e trajetórias — exige preparo pedagógico, postura ética e conhecimento legal. 

A seguir, apresento algumas das novas demandas que têm exigido atenção e formação por parte dos docentes, todas reconhecidas e amparadas por legislações específicas.

1. Estudantes De Famílias Com Configurações Diversificadas

No Brasil, é crescente o número de estudantes que vivem com responsáveis legais em arranjos familiares não tradicionais, como casais homoafetivos, famílias monoparentais, ou compostas por avós, tios, irmãos mais velhos. 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011 reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, conferindo legalidade e proteção a essas formações. 

Na escola, cabe ao professor garantir que nenhuma criança seja tratada com discriminação direta ou velada em razão da identidade de seus cuidadores. 

O correto é referir-se a esses arranjos como configurações familiares diversas, um termo reconhecido por órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).

2. Crianças Em Situação De Acolhimento Institucional

Acolher alunos que vivem em abrigos ou lares temporários exige atenção especial por parte da escola. Essas crianças e adolescentes estão sob a proteção do Estado, conforme o artigo 92 do ECA, e muitas vezes enfrentam rupturas emocionais graves. 

O professor deve estar atento a sinais de retraimento, dificuldade de socialização ou lacunas no processo de aprendizagem, sempre em articulação com a equipe gestora e os serviços de proteção social. 

Não se trata de expor a condição do aluno, mas de garantir que ele seja tratado com equidade, sem estigmatização.

3. Adolescentes Em Medidas Socioeducativas

No caso dos adolescentes oriundos da Fundação CASA (antiga FEBEM), que cumprem medidas em meio aberto como liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, a escola é um dos pilares da reinserção social. 

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), instituído pela Lei 12.594/2012, prevê a oferta obrigatória de educação a esses jovens, com o mesmo direito ao acolhimento e respeito. 

O professor não deve atuar como julgador, mas como mediador do processo educativo, garantindo acesso ao conhecimento e oportunidades de desenvolvimento.

4. Estudantes Com Identidades De Gênero Diversas

Outro desafio atual é a presença de estudantes que se identificam com um gênero diferente daquele atribuído no nascimento. 

O respeito ao nome social e à identidade de gênero desses estudantes é garantido por portarias e normativas do Ministério da Educação (MEC), como a Portaria nº 1.612/2011, e pela Resolução nº 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação

A função do professor é adotar o nome social em sala, respeitar os pronomes indicados e zelar para que não haja constrangimento por parte da turma, sempre com apoio da coordenação e orientação pedagógica.

5. Alunos Refugiados E Imigrantes

A presença de alunos estrangeiros ou refugiados nas escolas brasileiras tem aumentado nos últimos anos, impulsionada por crises humanitárias em países da América Latina e da África. 

De acordo com a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), essas crianças e adolescentes têm direito ao acesso à educação pública gratuita, independentemente de sua condição documental. 

O professor precisa considerar barreiras linguísticas, diferenças culturais e possíveis traumas vividos por esses alunos, buscando apoio com intérpretes da rede pública ou com programas intersetoriais voltados à acolhida.

6. Estudantes Com Deficiência Ou Necessidades Educacionais Específicas

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI – Lei 13.146/2015) garante o direito à educação inclusiva e ao atendimento especializado para estudantes com deficiência, transtornos do espectro autista ou altas habilidades. 

A escola deve assegurar a presença de recursos de acessibilidade, mas o papel do professor vai além disso: exige-se dele a capacidade de adaptar metodologias, oferecer suporte e trabalhar de forma colaborativa com a equipe de atendimento educacional especializado (AEE). A exclusão por omissão, ainda que não intencional, é considerada uma forma de violação de direito.

Expectativas Institucionais E O Papel Do Professor

Diversidade na escola não se resolve com soluções prontas, nem com fórmulas aplicáveis a todos os contextos. 

A complexidade das situações que enfrentamos exige mais do que sensibilidade — exige estrutura, política pública efetiva e uma atuação intersetorial que respeite a função de cada profissional envolvido. 

O professor pode (e deve) ser um agente de proteção, mas nunca isoladamente. Ele precisa atuar com respaldo, dentro dos limites legais, e sempre em articulação com as redes institucionais disponíveis.

Existem caminhos possíveis para isso. Quando há indícios de que um aluno pode estar em sofrimento psíquico ou que apresente necessidades específicas — como nos casos de possível Transtorno do Espectro Autista (TEA) — o primeiro passo ético e correto é o diálogo com a família, seguido da formalização de um encaminhamento para avaliação profissional. 

No entanto, quando há recusa, negligência ou omissão por parte dos responsáveis, e essa situação compromete o direito da criança ao desenvolvimento pleno, o Conselho Tutelar deve ser acionado

Isso está amparado no artigo 136, inciso I do ECA, que estabelece como atribuição do Conselho “atender crianças e adolescentes nas hipóteses de ameaça ou violação de direitos”.

Já em situações de vulnerabilidade social profunda — como crianças em situação de acolhimento institucional, estudantes em medidas socioeducativas ou adolescentes em risco — o contato com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) deve ser feito pela gestão escolar, e nunca individualmente pelo professor. 

Essas instituições são responsáveis por desenvolver planos de acompanhamento familiar e articular serviços como atendimento psicológico, jurídico ou socioeducativo.

Nos casos em que há suspeita de violência doméstica, negligência grave ou abandono, o fluxo adequado deve passar obrigatoriamente pela Direção da escola ou pelo Núcleo de Apoio à Aprendizagem, quando houver. 

Nesses casos, o papel do professor é notificar formalmente por escrito, preservando-se legalmente e evitando qualquer conduta que ultrapasse os limites da sua função pedagógica.

Para estudantes com deficiência ou transtornos de desenvolvimento, a busca por apoio do Atendimento Educacional Especializado (AEE), bem como da equipe da Sala de Recursos Multifuncional, quando existente na unidade, é essencial. 

Caso a escola não disponha desses recursos, é responsabilidade da Secretaria Municipal ou Estadual de Educação providenciar o suporte necessário. O professor pode e deve registrar oficialmente as necessidades do aluno para que a instituição seja formalmente cobrada.

No acolhimento de estudantes refugiados, estrangeiros ou migrantes, programas como o “Educação para Jovens Migrantes”, em parceria com a UNESCO e secretarias locais, podem ser acionados. 

Já em casos de adolescentes em medida socioeducativa, o cumprimento do direito à escolarização deve ser acompanhado pelos órgãos de execução do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que também podem ser cobrados pela escola via gestão.

Em todos esses casos, há um ponto em comum: o professor não deve agir sozinho, nem assumir responsabilidades que cabem a outros órgãos. É possível atuar com ética, responsabilidade e compromisso com os alunos sem ultrapassar a hierarquia ou os limites da função docente.

Ainda que não existam garantias de resolução imediata, reconhecer essas possibilidades já é um passo importante. 

Porque enfrentar a diversidade na escola com responsabilidade exige mais do que empatia — exige preparo, redes de apoio e um Estado que assuma seu papel. 

Enquanto educadora, minha missão é continuar fazendo perguntas difíceis, exigir respostas públicas e garantir que meus alunos encontrem, ao menos na escola, um espaço onde seus direitos não sejam diminuídos. 

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E se você já passou por situações semelhantes ou tem dúvidas sobre como agir, deixe seu comentário. Sua experiência também pode ajudar outros colegas.