Há situações dentro da escola que nunca aparecem em cursos de formação, nas reuniões pedagógicas ou nos discursos sobre “convivência harmoniosa”. 

A sala de aula nos ensina muito, mas é nos bastidores da gestão escolar que alguns professores descobrem um tipo de pressão que ultrapassa o pedagógico e atinge diretamente o emocional.


professora assedio na escola
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Quando a gestão se torna abusiva, o impacto não fica restrito ao trabalho. Ele atravessa a saúde, corrói a confiança e desmonta a rotina fora da escola. 

E, ainda assim, quase ninguém fala sobre isso — justamente porque quem vive tem medo de expor, e quem observa costuma não saber como ajudar.

Decidi escrever este texto porque presenciei uma história que nunca deveria ter acontecido. Acompanhei de perto uma colega que, mesmo sendo competente, passou a sofrer perseguições disfarçadas de “orientação”. 

O que começou como vigilância virou humilhação, e o que era apenas incômodo se transformou em adoecimento.

Vou contar essa história em detalhes. E, ao final, vou mostrar como reconhecer o assédio, como se proteger e quais caminhos formais realmente funcionam para que nenhum professor precise enfrentar isso sozinho.

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Assédio na gestão escolar: A história que nunca deveria ter acontecido

Ela era dedicada, estudiosa e sempre alinhava suas atividades à BNCC com rigor técnico. Preparava aulas criativas e fundamentadas, motivava os estudantes e buscava constantemente aperfeiçoamento. 

Contudo, exatamente por desempenhar bem sua função, passou a ser vista pela gestão como ameaça.

A diretora e a coordenadora iniciaram um processo de vigilância constante. Não se tratava de acompanhamento pedagógico, mas de fiscalização deliberada com o objetivo de controlar cada etapa do trabalho. 

Antes de aplicar qualquer atividade, era obrigada a mostrar o material, justificar decisões metodológicas e ajustar pontos que já estavam completamente embasados. 

Em determinado momento, uma proposta alinhada à BNCC foi anulada sem explicação convincente. A justificativa implícita sempre parecia a mesma: “professores não podem brilhar”.

As reuniões pedagógicas tornaram-se palco de exposições humilhantes. Ela era interrompida, ridicularizada e colocada em situação vexatória diante dos colegas. 

Expressões como “a porta da rua é a serventia da casa” e “manda quem pode, obedece quem tem juízo” tornaram-se recorrentes. Saía dessas reuniões tremendo, emocionalmente exausta e insegura.

Quando atribuía notas vermelhas, enfrentava punições veladas: advertências injustificadas, questionamentos agressivos e tentativas contínuas de deslegitimar seu trabalho. Com o tempo, desenvolveu medo de exercer sua autonomia pedagógica.

Em busca de proteção, decidiu registrar formalmente o que estava acontecendo e procurou instâncias superiores da escola. Fez tudo corretamente. Seguiu protocolos, descreveu fatos de maneira técnica e procurou seus direitos.

Contudo, a história teve um desfecho doloroso. Pouco tempo depois, foi demitida sem justificativa verdadeira. 

Tinha medo de procurar a justiça, temia represálias e não possuía apoio emocional suficiente para enfrentar outro processo. 

A pressão vivida por meses resultou em adoecimento mental. Ela ficou desempregada, humilhada e silenciada — e carregou essa dor por anos. Por mais que eu tentasse apoiá-la, o medo dela falava mais alto.

Histórias como a dela não deveriam existir. Mas existem. E por isso este texto é necessário.

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O que configura assédio contra professor dentro da escola

Assédio no trabalho ocorre quando alguém em posição hierárquica utiliza seu poder para constranger, humilhar, intimidar ou restringir injustificadamente a atuação do professor. 

Não se trata de cobrança legítima, supervisão pedagógica ou avaliação institucional. Trata-se de prática abusiva, repetitiva e desestabilizadora, cujo objetivo é diminuir, silenciar ou punir.

O assédio se caracteriza por comportamentos que ferem a dignidade, desrespeitam a autonomia docente e instauram um clima de medo constante. 

Quando o professor deixa de trabalhar com liberdade pedagógica por receio de represálias, há um problema sério que precisa ser identificado e enfrentado.

Comportamentos de alerta que indicam abusos

Alguns sinais aparecem cedo, mas são facilmente normalizados:

  • reuniões usadas como palco de exposição e humilhação;
  • ordens contraditórias, seguidas de culpa atribuída ao professor;
  • orientações que nunca vêm por escrito, impossibilitando registro formal;
  • falta de critérios claros nas cobranças;
  • rigidez extrema direcionada apenas a determinados professores;
  • frases intimidatórias, ironias e comentários depreciativos;
  • vigilância exagerada da rotina em sala de aula;
  • mudanças repentinas de horário ou função como forma de punição;
  • retaliações após discordâncias pedagógicas;
  • questionamentos injustificados sobre a capacidade profissional;
  • retirada de atribuições sem justificativa;
  • pressão para alterar notas sem critério pedagógico;
  • pedidos de tarefas inviáveis com prazos irreais;
  • isolamento do professor em decisões coletivas;
  • distorção proposital de informações ou fal falas;
  • exposição do professor diante de pais para gerar constrangimento;
  • exigência de submissão absoluta, desconsiderando diálogo;
  • ameaças diretas ou indiretas envolvendo permanência no cargo.

Quando o professor sente que está constantemente “pisando em ovos”, há um alerta claro de ambiente abusivo.

Como o professor pode se proteger de abusos dos gestores 

A proteção começa antes da denúncia. A postura emocionalmente neutra e profissional é essencial para evitar conflitos desnecessários e preservar a integridade do professor. 

É fundamental conduzir todas as interações com serenidade, solicitar formalizações e evitar discussões impulsivas.

É importante registrar situações problemáticas, guardar e-mails, anotar datas e manter cópias de orientações. 

A proteção não ocorre com enfrentamentos diretos, mas com organização, prudência e documentação sólida. A serenidade não significa passividade; significa estratégia.

Como registrar formalmente episódios de assédio

O registro precisa ser objetivo, técnico e preciso. É recomendado incluir datas, horários, participantes, falas relevantes e desdobramentos concretos. E-mails institucionais são ferramentas valiosas, pois ficam arquivados. 

Relatos devem evitar julgamentos pessoais e focar apenas no que ocorreu, como ocorreu e quais consequências gerou.

Guardar prints, documentos contraditórios, comunicados internos e atas também fortalece o material. Quanto mais factual o registro, mais sólido ele se torna.

Como pedir orientações por escrito: Ferramenta de proteção para professores 

Solicitar orientações formais é um direito do professor e um mecanismo de proteção. Perguntas simples resolvem situações que poderiam se transformar em conflitos:

“Poderia formalizar essa orientação por e-mail para que eu siga corretamente?”
“Gostaria de receber por escrito o objetivo pedagógico dessa solicitação.”
“Para garantir alinhamento, poderia registrar essa alteração no sistema ou no e-mail institucional?”

Gestores transparentes não se incomodam com isso. Gestores abusivos, sim.

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Quais canais oficiais para denúncia de abusos e assédio

A depender da rede de ensino, existem caminhos formais e seguros para registrar condutas abusivas.

Rede privada: RH, ouvidoria, supervisão pedagógica externa, sindicato da categoria e, em casos graves, Ministério Público.

Rede pública: supervisor de ensino, Diretoria de Ensino, ouvidoria da Secretaria Municipal ou Estadual de Educação, Comissão de Ética (quando existente) e Ministério Público.

Denunciar não é ato de rebeldia, mas de responsabilidade institucional.

Como evitar retaliações depois da denúncia 

Evitar retaliações exige postura discreta, cautelosa e estratégica. É importante limitar comentários a pessoas de extrema confiança e registrar tudo sem divulgar sua intenção. 

O professor deve manter neutralidade nas interações cotidianas, evitar confrontos diretos e nunca antecipar que fará denúncia.

A proteção está na postura, nos registros e no sigilo.

Como reconstruir limites profissionais

Depois de vivenciar abuso ou perseguição, o professor frequentemente carrega culpa e insegurança. 

Reconstruir limites envolve resgatar a confiança pedagógica, restabelecer autonomia, trabalhar em ambientes saudáveis e compreender que não é responsável pelos comportamentos abusivos que sofreu.

É um processo emocional e profissional, que exige tempo e dignidade.

Conclusão

Histórias como a da minha colega revelam o que muitos professores enfrentam silenciosamente. 

O assédio dentro da gestão escolar não é um conflito comum: é uma violação séria que afeta a saúde mental e compromete a prática docente. 

Informar-se, registrar, buscar apoio institucional e proteger-se não é fraqueza. É sobrevivência profissional.

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