criança em sala de aula indisciplina
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A indisciplina na sala de aula deveria ser uma matéria a parte nos cursos de pedagogia e licenciatura. 

Comecei em 2014 um dos maiores desafios da minha vida. Comecei a dar aula. E pior: direto no ensino médio.

Não era qualquer turma. Eram adolescentes cheios de energia, certezas absolutas e nenhuma paciência para quem estivesse começando. 

A faculdade tinha me ensinado a planejar aulas, elaborar avaliações e até construir mapas de aprendizagem. 

Mas ninguém me contou o que fazer quando cinco alunos começam a cantar, outros batucam na carteira e ninguém — absolutamente ninguém — presta atenção na matéria.

Em poucas semanas, percebi que a maior parte do meu trabalho não seria apenas ensinar conteúdos. Eu precisava aprender a manter o mínimo de ordem para que qualquer coisa fosse possível.

O mais difícil? Perceber que o problema não era só dos alunos. Eu não tinha ferramentas emocionais, estratégicas nem didáticas para lidar com aquele tipo de situação. Me vi sozinha no olho do furacão — e essa foi a minha escola mais real.

Mas foi justamente nesse caos que comecei a criar meu próprio repertório. E é sobre isso que quero falar com você hoje.

O Que É Indisciplina?

A palavra indisciplina, segundo o Dicionário Houaiss, vem do latim disciplina, que significa "ensino, instrução, doutrina". 

O prefixo in- indica negação. Ou seja, indisciplina é, essencialmente, a ausência de direção ou regras claras. Mas o conceito é muito mais profundo do que isso.

No campo da educação, autores como Bernard Charlot (2000) afirmam que a indisciplina está intimamente ligada à relação dos alunos com o saber e com a autoridade docente

Ela não é apenas um problema de comportamento, mas um reflexo de vínculos frágeis entre o aluno, o professor e o conteúdo.

Além disso, como aponta o pesquisador José Carlos Libâneo, a indisciplina não é homogênea: ela se manifesta de formas diferentes conforme o contexto escolar, o perfil dos alunos e o estilo de ensino. 

Muitas vezes, o que chamamos de “indisciplina” é, na verdade, um pedido de atenção ou uma reação ao clima de desorganização.

Compreender essa complexidade foi o primeiro passo para que eu deixasse de me sentir fracassada e começasse a agir com mais estratégia.

Um estudo internacional da OCDE revela que os professores brasileiros gastam 21% do tempo das aulas para controlar a indisciplina – o equivalente a perder uma hora a cada cinco de ensino. 

Esse índice é bem superior à média de outros países (15%) e muito acima de nações como o Japão (5%).

Além do prejuízo ao aprendizado, o problema afeta a saúde mental dos docentes: 16% relatam que a profissão impacta negativamente seu bem-estar, percentual acima da média global. 

A pesquisa também mostra que apenas 14% dos professores no Brasil se sentem valorizados socialmente.

Como Sobrevivi Com Os Primeiros Conflitos Em Sala De Aula

Na prática, o que enfrentei logo nos primeiros meses foi muito além da teoria.

Tinha aluno que batucava na carteira sem parar. Outros começavam a cantar como se estivéssemos num show, e não numa aula de Geopolítica. 

Muitos se recusavam a fazer a lição de casa e alguns precisavam ser chamados a cada dois minutos só para ouvir uma simples explicação.

Houve também os episódios mais tensos: separar brigas físicas, interromper discussões que quase viravam agressões e, o mais comum de todos, lidar com a indiferença.

Senti que estava o tempo todo em disputa. Cada aula era um teste de resistência. E tudo isso me fez repensar o que, de fato, é autoridade em sala de aula.

A partir desses conflitos, fui moldando um estilo mais firme, mas sempre respeitoso. Comecei a prestar atenção em como eu usava a minha voz, meu olhar, meu corpo. 

Comecei a entender a importância de rituais de entrada e saída da aula. E, principalmente, aprendi que nenhum conteúdo se sustenta se não houver um ambiente adequado.

Estratégias Que Funcionaram Para Manter Os Alunos Focados

Com o tempo, outros professores começaram a me perguntar: "Como você consegue manter os alunos focados por tanto tempo?"

A verdade é que não há fórmula mágica. Mas existem técnicas que, quando aplicadas com consistência, fazem toda a diferença.

A primeira delas é o uso estratégico do tempo. Minhas aulas têm uma sequência previsível, com pausas planejadas, momentos de escuta e atividades que envolvem movimento. 

Aprendi que atenção tem duração limitada — e que o ritmo da aula influencia diretamente no comportamento.

Outra ferramenta poderosa foi a criação de combinados com a turma. E aqui entra um ponto essencial: não são regras impostas, mas acordos construídos juntos.

Técnicas Para Fazer Combinados Com A Turma

  1. Comece com uma conversa franca sobre o que atrapalha e o que ajuda na aula.

  2. Liste os comportamentos desejáveis e indesejáveis junto com os alunos.

  3. Negocie consequências claras (positivas e negativas) e cumpra o que foi dito.

  4. Revise os combinados periodicamente e celebre as conquistas.

  5. Use a linguagem positiva: em vez de "não pode conversar", diga "vamos escutar com atenção enquanto alguém fala".

Esses combinados funcionam porque envolvem os alunos no processo. Eles passam a entender que fazem parte da construção do ambiente — e isso muda tudo.

O Que Aprendi Com Os Alunos Indisciplinados

Ao desses anos, percebi uma verdade que me desarmou como professora e me tocou como ser humano: os alunos que mais desafiavam a rotina da aula, que mais me tiravam do eixo, eram justamente os que mais precisavam de escuta, de presença, de alguém que enxergasse além do comportamento.

Aprendi, com o tempo e muitas tentativas frustradas, que aquele aluno que canta alto sem parar talvez faça isso porque não suporta o próprio silêncio por dentro. 

Que o que nunca entrega a lição pode estar lidando com uma casa onde falta tudo, menos dor. E que o que chama atenção o tempo todo não quer, de fato, atrapalhar a aula — ele só está pedindo, do jeito que sabe, para não ser ignorado mais uma vez.

Foi a partir desses encontros — tão duros, tão reais — que entendi que escutar é mais do que ouvir. É suspender o julgamento, é enxergar a pessoa por trás da postura. E quando escutei de verdade, vi que o respeito não se exige. Ele se constrói, gesto por gesto, olhar por olhar.

Descobri também que autoridade não nasce do medo que você impõe, mas da segurança que você transmite. A sala de aula me ensinou que firmeza e acolhimento não são opostos — são as duas mãos que sustentam a convivência.

E foi dessa convivência, dia após dia, que nasceram os conselhos que de fato fazem diferença na prática. Reuni aqui os que se tornaram pilares no meu trabalho...

Conselhos Fundamentais Para Professores Iniciantes Lidar Com Indisciplina

Encarar uma turma pela primeira vez vai muito além do conteúdo. É sobre conectar com pessoas, lidar com emoções e navegar a cultura da escola — coisas que nenhuma faculdade ensina direito.

Aprendi isso na prática, errando, observando e trocando ideias com outros professores. Se serve de ajuda, reuni algumas ideias que fizeram diferença para mim:

1. Sua voz é sua aliada, mas não grite

Gritar cansa você e ensina a turma a só ouvir quando você está no limite. Um tom firme e baixo, com pausas e olhar atento, passa muito mais confiança. 

Para experimentar: Respire fundo antes de falar. Frases curtas e calmas prendem mais a atenção que discursos.

2. A rotina traz segurança

Turmas jovens precisam de previsibilidade. Quando sabem como a aula funciona, ficam mais tranquilos e abertos a aprender. 

Uma sugestão: Crie um ritual para começar — pode ser uma pergunta no quadro ou uma música. Isso avisa: “a aula começou”.

3. Celebre as pequenas vitórias

Mudanças grandes são raras. Valorize gestos simples: um aluno que organizou o material, outro que ouviu sem interromper. Isso fortalece todos.

Funciona assim: No final, comente algo positivo que viu. “Gostei da atenção de vocês hoje” já faz diferença.

4. Você não está sozinho: conte com a equipe

Não carregue tudo sozinho. A coordenação e outros professores podem ajudar com olhares diferentes e apoio real. 

Na prática: Se uma situação se repetir, registre e busque ajuda. Isso é profissionalismo, não fraqueza.

5. Conflito nem sempre é bagunça

Debates e opiniões diferentes são saudáveis. Agressão e desrespeito, não. Saber a diferença evita que você gaste energia onde não deve. 

Quando acontecer: Na hora da tensão, pergunte: “O que está acontecendo?”. Muitas vezes, só de serem ouvidos, os alunos se acalmam.

6. Seja claro, mas humano

Ser firme não é ser seco. Dar limites com respeito mostra que você se importa — e que há um porquê por trás das regras. 

Ao corrigir: Explique com calma: “Preciso que você mude de lugar para que todos possam prestar atenção”.

7. A paciência constrói respeito

A confiança da turma não vem de uma hora para outra. É no dia a dia, com gestos consistentes, que você conquista seu espaço. 

Um hábito que ajuda: Anote depois da aula o que funcionou e o que não deu certo. Você vai se surpreender com sua própria evolução.

Conclusão

Se você chegou até aqui, já percebeu que indisciplina na sala de aula é um assunto muito mais complexo do que parece. 

E mais do que isso: não é sobre “controlar alunos”, mas criar um ambiente de aprendizado possível.

Muitas das estratégias que funcionaram para mim nasceram do erro, da tentativa, da escuta. E elas continuam em construção — porque cada turma é um universo.

Se você também passa por situações assim, experimente começar com um bom combinado. Gostou das dicas? Faltou alguma coisa? Escreva nos comentários.