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Eu lembro bem de uma turma que simplesmente se recusava a fazer a lição de casa. Eu explicava o conteúdo, dava tempo, reforçava a importância — e, ainda assim, poucos entregavam.
No começo, levei para o lado pessoal. Achei que estavam desinteressados, desrespeitosos ou até “preguiçosos”.
Com o tempo, percebi que o problema era outro. Os alunos não estavam “contra mim”. Eles estavam desconectados do sentido da tarefa.
Entre jornadas longas na escola, responsabilidades em casa e o cansaço emocional típico da adolescência, a lição de casa havia se tornado um peso.
E, para ser honesta, muitas vezes eu mesma não sabia explicar por que aquela atividade merecia o tempo deles.
Foi nesse momento que eu virei o jogo. Parei de mandar tarefas por hábito e comecei a pensar em propostas com intencionalidade. Descobri que, quando a lição de casa é coerente com o que foi vivido em aula e tem um propósito claro, o aluno volta a se engajar.
Neste texto, quero te mostrar como cheguei a esse ponto e o que a pesquisa e a legislação dizem sobre o tema.
Mais do que uma receita pronta, este é um convite para repensar práticas, encontrar sentido e recuperar a confiança dos alunos no valor do que fazemos.
Entendendo o Contexto: Por Que a Lição Deixou de Ser Prioridade
Durante muito tempo, a lição de casa foi símbolo de disciplina. Os pais cobravam, os professores corrigiam e os alunos faziam — quase sem questionar.
Hoje, esse cenário é outro. A rotina familiar mudou, as telas ocupam o tempo livre e o acompanhamento dos responsáveis se tornou mais difícil.
Uma pesquisa do Instituto Península (2023) mostrou que 67% dos professores consideram que seus alunos estão menos engajados com atividades fora da escola. Isso confirma o que vemos no dia a dia: a lição de casa perdeu o espaço que tinha no cotidiano escolar.
Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não define a lição de casa como obrigatória.
O documento defende o protagonismo do aluno no processo de aprendizagem, o que exige repensar métodos tradicionais. Mandar dez exercícios sem propósito, por exemplo, dificilmente vai despertar autonomia.
O aluno precisa entender por que está fazendo — e o professor precisa acreditar nesse motivo.
Estudo Recente Sobre a Lição de Casa
Um estudo publicado na Revista Brasileira de Educação (Souza e Oliveira, 2022) aponta que a eficácia da lição de casa depende da qualidade das atividades propostas, e não da quantidade.
Ou seja: o aluno aprende mais quando a tarefa o desafia a pensar, refletir e aplicar o conteúdo à sua realidade.
Outro artigo da Educação em Revista (Almeida, 2021) reforça que atividades que estimulam autonomia e autoria geram engajamento duradouro, enquanto tarefas repetitivas provocam desinteresse.
Essas pesquisas confirmam algo que aprendi na prática: se a lição não desperta curiosidade nem produz significado, ela se torna um simples ritual burocrático.
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O Papel do Professor: Intencionalidade e Planejamento
Por muito tempo, eu mandava lição porque “era o certo a fazer”. Hoje, penso diferente. Antes de propor qualquer atividade, me pergunto:
- O que quero que o aluno aprenda com isso?
- Ele tem condições reais de fazer em casa?
- Essa tarefa dialoga com o que vivemos em sala?
Se alguma resposta for “não”, eu reformulo.
O Parecer CNE/CP nº 9/2001 e a Resolução CNE/CP nº 2/2015, que tratam da formação docente, reforçam que cabe ao professor planejar ações pedagógicas coerentes com o contexto sociocultural do aluno. Isso significa considerar as desigualdades de acesso, tempo e apoio familiar.
Não é justo, por exemplo, exigir pesquisa on-line de uma turma em que metade dos alunos não tem internet. Nesses casos, a lição de casa precisa se adaptar à realidade, e não o contrário.
Estratégias Para Fazer a Lição Voltar a Fazer Sentido
Depois de muitos erros, encontrei algumas estratégias que realmente funcionam — e que transformaram a forma como os alunos encaram as tarefas.
1. Transforme a Lição em Continuação da Aula
A lição deve prolongar o pensamento iniciado em classe. Peça que o aluno escreva três ideias que aprendeu na aula, elabore uma pergunta sobre o tema ou resuma o ponto que mais o surpreendeu. Isso cria um elo entre o conteúdo e a experiência vivida.
2. Dê Opções de Linguagem
Nem todo aluno aprende da mesma forma. Permita que escolham entre escrever, desenhar, gravar um áudio ou montar uma apresentação. Essa liberdade aumenta o engajamento e valoriza diferentes formas de expressão.
3. Socialize as Tarefas
Reserve alguns minutos na aula para compartilhar o que fizeram. Quando o aluno percebe que o esforço será valorizado, o hábito de fazer a lição se fortalece naturalmente.
4. Envolva as Famílias Sem Transferir a Responsabilidade
O artigo 12 da LDB (Lei nº 9.394/1996) estabelece que as escolas devem articular-se com as famílias e a comunidade. Isso não significa delegar a cobrança, mas promover diálogo. Explique aos pais o objetivo das atividades e como podem acompanhar, sem transformar isso em obrigação.
5. Priorize Qualidade, Não Quantidade
Um exercício bem construído vale mais do que cinco repetitivos. Prefira tarefas breves e desafiadoras, com propósito claro. O excesso só produz desânimo.
6. Use a Devolutiva Como Incentivo
A devolutiva é parte essencial do processo. Não basta corrigir mecanicamente. Mostre que leu, comente uma boa ideia, reconheça o esforço. O aluno aprende mais com a devolução do que com a nota.
Quando Nada Parece Funcionar
Há turmas que desafiam qualquer método. Já vivi isso. Você explica, combina, tenta motivar — e nada muda.
Nessas horas, é preciso paciência e consistência. A aprendizagem é um processo de construção, e hábitos não se formam da noite para o dia.
Evite punições, porque elas reforçam a resistência. Em vez disso, combine metas coletivas: “Se todos entregarem as próximas duas tarefas, faremos uma atividade prática”. Pequenas conquistas constroem grandes mudanças.
O Que Mostra a Realidade Escolar
Uma reportagem do G1 Educação (2024) apresentou o caso de escolas públicas de São Paulo que reformularam completamente a lição de casa.
Em vez de enviar longas listas, passaram a usar plataformas digitais com atividades curtas, interativas e ligadas à vivência dos alunos. O resultado foi um aumento de 40% nas entregas e maior participação em aula.
Esse exemplo reforça que o problema não está na lição de casa em si, mas na falta de propósito pedagógico. Quando a tarefa tem sentido, o aluno participa.
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A Lição de Casa Como Extensão da Formação Humana
Mais do que conteúdo, a lição de casa ensina algo essencial: responsabilidade. O aluno aprende a gerenciar o tempo, planejar tarefas e desenvolver autonomia — competências destacadas pela BNCC como pilares da educação contemporânea.
A lição, portanto, não é uma obrigação ultrapassada. É uma ferramenta que, quando bem aplicada, forma cidadãos capazes de aprender fora da escola.
Conclusão: Virar o Jogo é Possível
Quando os alunos deixam de fazer a lição de casa, não é sinal de fracasso docente, e sim de que algo precisa ser revisto. É um convite para repensar práticas e renovar estratégias.
Minha experiência me ensinou que a mudança começa quando deixamos de “mandar” e passamos a propor. Quando a tarefa tem sentido, a entrega deixa de ser obrigação e passa a ser compromisso.
Virar o jogo é possível — mas exige intenção, empatia e constância. Nenhum resultado aparece de um dia para o outro, mas cada pequena resposta já é um passo na direção certa.
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